jeudi, décembre 11, 2008


BEING A SOUTH AMERICAN MIGRANT

Em outubro passado, completei seis anos passados fora do Brasil. Ainda me lembro perfeitamente de toda a preparação necessária na época.

Tomei a decisão de tentar morar fora provavelmente um ano e meio antes de realmente deixar o Brasil. A parte burocrática foi particularmente extenuante: descobrir quais eram os requisitos para ser aceita numa universidade suíça (o que significou horas na frente do computador coletando informações); em seguida, a constituição do dossiê pra ser enviado a cada uma das duas candidatas escolhidas no final, o que significou gastar vários reais pra mandar traduzir cada um dos documentos (histórico escolar do 2° grau, da universidade no Brasil, de certificados, etc) e também ter muita paciência e diplomacia na hora de tratar com a embaixada e o consulado suíço. Tratar com o Ministério das Relações Exteriores brasileiro foi mais fácil do que eu imaginava, e foi naquele momento que, ainda em solo brasileiro, comecei a perceber que ao contrário da nossa tendência em sempre criticar o que é brasileiro, burocracia (no sentido pejorativo do termo mesmo) não é privilégio só do nosso país.

Me lembro perfeitamente da véspera da minha partida. Meu vôo de Brasília pra São Paulo estava marcado pras 10h da manhã do dia seguinte. Mas eu simplesmente não consegui arrumar todas as minhas coisas a tempo: deixar sua casa com planos de ficar fora por quatro anos complica muito na hora de decidir o que você vai realmente precisar e o que será simplesmente insubstituível (na nossa cabeça, ao menos). Eu tinha direito a duas malas de 32kg cada (bons tempos). No final, acabei com duas malas pesadíssimas e mais uma caixa de papelão de 32kg tbm. Na minha lógica do "super jeitinho brasileiro", pensei "que nada, vai passar". Ledo engano: tive de morrer em 100 doletas assim, no início da viagem. Bem feito pra mim.

Mas voltando à véspera: foi tão difícil decidir o que colocar dentro das minhas malas que no final das contas passei a noite em claro. Só consegui acabar de arrumar a bendita bagagem às 6h da matina, quando todo mundo já estava se levantando em casa pra ir pra seus respectivos trabalhos. Pensei pelo menos no lado bom dessa falta de sono: eu, mestra-mor, chefe de fila no quesito "medo de voar" (meio contraditório, já que vivo viajando nesse mundão desde então), cheguei à conclusão de que conseguiria pelo menos dormir durante todo o vôo, pelo menos daquela vez. Foi o que aconteceu.

Acho que já depois de dois meses aqui comecei a descobrir que pouquíssimas coisas que vieram nas minhas malas eram realmente importantes e essenciais. A caixa de papelão, por exemplo, ficou aberta por meses sem que eu nem tocasse no conteúdo. Conclusão: me dei ao luxo de dançar nas 100 doletas pra acabar enfeitando meu quarto com a tal caixa. Hmmpf. Arte contemporaníssima.

Com o tempo, hoje me pego fazendo exatamente o contrário: agora que tenho meus produtos prediletos daqui, quando viajo ao Brasil, sempre levo comigo o que julgo "essencial"... mas claro, aprendi com a história da caixa, então, me imponho limites e tento ser mais racional.

Mas na verdade, eu queria falar de outra coisa antes de começar a divagar sobre aquele dia em 2002. Hoje, seis anos depois, mais experiente na arte de viver em outro país, e tendo mudado do status de "temporariamente morando na Suíça pra estudar e adquirir experiência no exterior" pra "morando na Suíça por tempo indeterminado", depois de ter casado com um suíço, eu comecei a pensar por tudo o que um estrangeiro deve passar pra tentar viver de forma pacífica e adaptada com os nativos e, principalmente, com as autoridades.

No início, pra mim, como pra maior parte das pessoas, tudo foi surpresa e novidade. Mas também é o momento em que a gente se sente meio que "peixe fora d'água", sem entender exatamente porque as pessoas pensam e agem de outra maneira que a gente. Começar a entender o outro é o primeiro obstáculo a transpor. Passada essa fase, várias outras surgem, como fazer amigos, melhorar o conhecimento da língua local, aprender um pouco da História do país, dos símbolos, das particularidades, da Política, da cultura, e até mesmo das boas maneiras (aqui, geralmente é falta de educação não dizer "saúde" quando uma pessoa espirra, por exemplo). No meu balanço pessoal, estas fases foram as mais interessantes e enriquecedoras.

A fase pela qual eu estou passando agora é diferente. Ela está mais pra uma "nova"-velha fase, já que ela é onipresente desde que eu cheguei aqui, mas eu acho que foi até isso que me deu vontade de começar a escrever este post: a fase de ter sempre de se justificar, de provar, de atestar e re-atestar que um estrangeiro é tão capaz quanto um nativo de realizar e executar tarefas e de se adaptar às regras nativas.

Pode parecer exagero da minha parte, mas tudo o que eu escrevi acima foi pra poder chegar a prova de direção que eu precisei fazer hoje pra poder continuar dirigindo em território suíço. Um brasileiro, como outros sul-americanos, podem dirigir em território suíço durante um ano com a habilitação do Brasil ou do seu país de origem (essa regra não se aplica aos cidadãos europeus e de alguns poucos outros países desenvolvidos, mesmo se a Suíça não faz parte da União Européia - ok, existem acordos bilaterais, mas não dá pra explicar num post que já ficou tão longo). Depois disso, é preciso fazer o que eles chamam de "corrida de controle", pra que eles saibam se você realmente se adaptou às regras em vigor na Suíça ou não. Você só tem uma chance: se por um acaso o examinador achar que você não se adaptou, e que você for reprovado, pra poder continuar dirigindo, é necessário passar por toda a formação (tipo, fazer o equivalente da escolinha do Detran + prova escrita + aulas de direção + prova prática).

Hoje fui fazer a tal prova. Passei, estou aliviada, posso continuar dirigindo. Mas foi meio estressante ter de me submeter a esse exame mais uma vez na minha vida, depois de 12 anos de habilitação brasileira.

Quando decidi me inscrever pro tal exame, comecei a pensar em como ser imigrante é penoso na maior parte das vezes. É claro que isso não é novidade, mas às vezes as pessoas tendem a pensar que só a vida de imigrantes ilegais é difícil. É claro que deve ser mais difícil que a vida de nós imigrantes legais, mas nós também temos nossa cruz a carregar.

Eu entendo que cada país é soberano; que um Estado de Direito existe exatamente pra coordenar e organizar a vida dos indivíduos em sociedade; eu entendo também que a liberdade dos indivíduos deve ser limitada pra se poder assegurar a liberdade do outro; e que por tudo isso, as leis devem ser respeitadas. Eu também entendo que as leis de um país prevejam mais vantagens a seus cidadãos e menos aos imigrantes. Eu entendo tudo isso. O que eu não entendo é ter de provar o tempo todo, constantemente, que você não mudou, que continua sendo a mesma, que você sempre correspondeu e ainda corresponde aos critérios impostos pela lei pra estar aqui, e que você nunca escondeu nada; que você é capaz, independentemente da nacionalidade, que não passa de um conceito jurídico criado por legisladores ou pensadores do Estado; também não entendo porque que na hora de renovar o visto, você tenha de ser sem falta tratado com a maior indiferença e com nada de educação, como se você carregasse em você os males do mundo, disfarçados na pele de uma menina de cabelos castanhos enrolados e olhos esperançosos por um mínimo de consideração; e etc, etc, etc.

Espero que quem ler este post não veja frustração ou amargura no conteúdo, porque não é isso o que sinto depois de seis anos e dois meses aqui. Nem raiva. Nem indignação. O saldo é mais do que positivo: eu não teria aprendido tanto sobre a vida, o ser humano e sobre mim mesma se não tivesse me engajado nesta aventura. Na verdade, creio que não passe de um desabafo. Um desabafo pra registrar a minha esperança de que um dia os nativos conseguirão enxergar além dos estereótipos e dos pré-conceitos. Senão, que pelo menos a minha cota de "provas" seja liquidada o quanto antes. E que eu (e tantas outras pessoas) consiga vencer cada uma delas. Cada uma. Até o dia em que ser um imigrante sul-americano não tenha mais tanta importância assim. Não custa nada sonhar.

2 commentaires:

Anonyme a dit…

Olá Ana!

Lendo o teu post ñ senti frustração ou amargura no conteúdo. Pelo contrário,senti um post aberto,com cada detalhe que muitos imigrantes com certeza se identificaram em algo,faz parte (infelizmente). Porém,tenho orgulho se ser brasileira,acho que é cultural o otimismo da nossa gente.
Como diz uma certa cançao "levanta,sacode a poeira e dá a volta por cima".
Tem tudo haver.
Fica bem,
Tua leitora de Madrid, Ana

Anonyme a dit…

Gostei de ler s/post, não vi lamentação nem amargura, mas sim uma vivência lúcida compartilhando aspectos que quase nao são falados, como a dificuldade do imigrante legal, os esteriotipos...também espero que um dia não tenha mais essa preocupação geográfica, rsrsrsrs
wilma/vievivi.blogspot.com